Ministérios públicos Federal e Estadual recomendam à Universidade
Federal de Ouro Preto que coíba atividades econômicas em moradias, onde
estudantes cobram até R$ 500 no carnaval
Programação de carnaval
2010: ensaio de bateria com mais de 100 caixas de cerveja liberadas. No
sábado, concentração do bloco com mais de 18 mil latas de cerveja e
show a definir. No domingo, diversão na república com banda de pagode.
Nos outros dias, festa o dia inteiro na casa e concentração do bloco.
Na quarta-feira de cinzas, para quem aguentar, festa à tarde na
república. Tudo isso a R$ 500 por pessoa (1º lote).
Não soaria estranho um anúncio como esse sendo feito por uma agência de turismo. Mas a propaganda, com caráter comercial e divulgada no site de relacionamentos Orkut,
está sendo feita por repúblicas federais de Ouro Preto, na Região
Central de Minas, a 98 quilômetros de Belo Horizonte, e representa a
ponta de um iceberg de problemas e conflitos que a cidade histórica
enfrenta.
Chegando a vender até 5 mil abadás por carnaval, com
preços que variam entre R$ 250 a R$ 500, os universitários que moram
nas repúblicas – pertencentes à União – estão na polêmica que divide
uso de bem público e sua manutenção. Em 28 de outubro, o Ministério
Público Estadual (MPE) e o Ministério Público Federal (MPF)
encaminharam recomendação conjunta ao reitor da Universidade Federal de
Ouro Preto (Ufop), João Luiz Martins, para que sejam coibidas
atividades econômicas no interior dos imóveis públicos que abrigam as
repúblicas estudantis.
“Queremos a transparência na gestão
dessas moradias, que são um bem público e, como tal, não podem virar um
espaço para se ganhar dinheiro”, diz o promotor de Justiça Ronaldo
Crawford, que alerta: “Não há controle algum sobre o uso desses
espaços. O fato de os estudantes serem os responsáveis pela
administração não significa que eles tenham poder de proprietários.” Há
60 repúblicas federais em Ouro Preto e 300 particulares, sem qualquer
vínculo com a universidade.
De acordo com ele, as repúblicas em
Ouro Preto estão se tornando empresas, com lucros e clientes cada vez
maiores. “Tem moradia estudantil federal que chega a receber por
carnaval, no mínimo, R$ 500 mil”, diz, criticando a falta de controle
da reitoria da Ufop. “São os universitários que ditam as regras. Eles
que escolhem, por exemplo, quem vai ou não morar ali. O que eles fazem
com o dinheiro que recebem alugando quartos ou vendendo abadás de
carnaval para uma festa nos imóveis ?”, questiona.
Mas as
festas, nas quais Ouro Preto chega a receber cerca de 40 mil pessoas,
como no carnaval do ano passado, não são o principal problema na visão
do estudante de farmácia Ricardo Bouez, de 32 anos. Morador de Ouro
Preto há 13 anos, Ricardo destaca que a universidade sempre foi omissa
diante de muitos conflitos existentes. “Moro numa república particular
e tenho observado que as coisas estão se invertendo. Para eu morar
aqui, desembolso R$ 250 mensais porque pago aluguel. Mas numa república
federal esse valor chega a R$ 450”, compara, questionando que por se
tratar de um bem público, que teve como objetivo dar moradia a alunos
sem condições financeiras, a realidade deveria ser outra. “Como um
estudante carente vai morar numa república da União se os estudantes
que lá vivem cobram alto? Nesses lugares, geralmente casas muito
grandes, só há sete moradores, porque os outros quartos são para a
boate, outro para hóspedes etc. Com o lucro das festas, eles se unem e
vão todos para a praia. Que tradição é essa?”, acrescenta Bouez.
Evando
Aparecido Gaskue, de 25, estudante de filosofia da Ufop, morou apenas
um mês numa república da Ufop. “Fui constrangido, humilhado. Não tinha
direito de ir e vir, até vinagre com álcool tive que beber para não ser
expulso”, lembra, contando que os universitários chegavam a lucrar até
R$ 12 mil com o carnaval. “O grande problema que enfrentamos é que por
trás dessa omissão existe muita influência. O trote ainda é tradição
aqui”, lamenta. “As repúblicas são patrimônios públicos e deveriam ter
critérios objetivos de uso, mas quem manda ali são os estudantes, que
estabelecem as próprias regras”, diz o estudante de direito Luiz Felipe
Perdigão.
Na opinião de Márcio Abdo de Freitas, presidente do
Ouro Preto e Circuito do Ouro – Convention e Visitors Bureau, o
problema é uma discussão que envolve toda a comunidade. “Estamos
vivendo uma exploração comercial em um espaço que não foi feito para
isso. O carnaval em Ouro Preto está perdendo a essência de atrair
turistas que vêm para uma folia mais tranquila. Hoje em dia, até mesmo
os monumentos históricos têm que estar tampados quando estamos no
período carnavalesco. E a falta de água e o trânsito caótico são
consequências disso”, avalia, apontando que a situação deve ser
resolvida pela universidade.
PROTEçãO AO PATRIMôNIO
Procuradores
do Ministério Público Federal reúnem-se, na próxima quinta feira, com
representantes das prefeituras das cidades históricas de Minas e do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para
discutir a fixação de normas para eventos públicos em áreas tombadas
pelo patrimônio. O objetivo é estabelecer procedimentos para a
realização de promoções com a preservação do acervo histórico e
garantia da segurança da população. Entre as preocupações estão eventos
realizados sobretudo em Tiradentes, no Campo das Vertentes, que recebe
anualmente um festival gastronômico e uma mostra de cinema, além de
exposições, feiras e festivais de repercussão internacional. “O
patrimônio cultural ficava exposto a todo tipo de desgaste, poluição e
ruídos sem que as prefeituras e os órgãos responsáveis pela proteção
cultural tomassem providências específicas para resguardo dos bens”,
afirma o procurador da República Antônio Arthur Barros Mendes.
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